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Cosmos para Curiosos #3: O que acontece quando duas galáxias colidem?

Ao contrário do que o termo “colisão” sugere, esses encontros são menos como batidas de carros e mais como a fusão de nuvens gigantescas.

Avatar do(a) autor(a): Nícolas Oliveira

06/05/2025, às 11:09

Atualizado em 06/05/2025, às 11:10

No imenso palco do universo, há eventos que fariam qualquer superprodução de Hollywood parecer tímida. Dois titãs cósmicos se aproximam em silêncio, girando lentamente com suas bilhões de estrelas... não há explosões no estilo dos filmes de ação, mas sim um balé gravitacional que se desenrola ao longo de centenas de milhões de anos: a colisão de galáxias.

Ao contrário do que o termo “colisão” sugere, esses encontros são menos como batidas de carros e mais como a fusão de nuvens gigantescas. As estrelas, separadas por distâncias imensas mesmo dentro de uma galáxia, raramente se chocam entre si. No entanto, o impacto é profundo: galáxias inteiras se deformam, correntes de gás e poeira são esticadas e comprimidas, nascem estrelas em ritmo acelerado e, muitas vezes, buracos negros supermassivos acabam se fundindo.

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Galáxia de Andrômeda (M31). (Fonte: NASA)

Durante séculos, o céu profundo parecia um palco fixo, com as "nebulosas espirais" observadas por telescópios primitivos parecendo parte da Via Láctea. Foi apenas no início do século XX que Edwin Hubble demonstrou que essas estruturas, como a Nebulosa de Andrômeda, as "ilhas universos", eram, na verdade, galáxias inteiras.

A ideia de que galáxias podiam colidir parecia absurda. Mas com o avanço dos telescópios e o estudo de imagens em diferentes comprimentos de onda, astrônomos começaram a notar formas distorcidas, pontes de matéria entre galáxias próximas e caudas longas de estrelas — evidências claras de interações gravitacionais violentas. Hoje, com telescópios como o Hubble, o James Webb e observatórios de rádio como ALMA, temos imagens de galáxias colidindo em várias fases do processo.

Uma galáxia típica, como a Via Láctea, contém de 100 a 400 bilhões de estrelas e pode medir mais de 100 mil anos-luz de diâmetro. Apesar dessa vastidão, o espaço entre as estrelas é tão grande que as chances de colisões estelares diretas são desprezíveis.

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Dupla galáctica em fusão Arp 87. (Fonte: Getty Images)

Mas há três componentes principais que tornam as colisões galácticas verdadeiros espetáculos dinâmicos:

1. Interações gravitacionais

Conforme duas galáxias se aproximam, seus halos de matéria escura — que representam a maior parte de sua massa — começam a interagir. A gravidade puxa e distorce as formas das galáxias, criando braços alongados e caudas de maré que podem se estender por centenas de milhares de anos-luz. As órbitas das estrelas mudam radicalmente, e muitas são lançadas para regiões externas ou para o espaço intergaláctico.

2. Gás interestelar e formação estelar

Diferente das estrelas, as nuvens de gás colidem de fato. Isso comprime os gases e desencadeia surtos de formação estelar — conhecidos como starbursts. Durante uma colisão, a taxa de nascimento de estrelas pode aumentar em até cem vezes. Estrelas massivas recém-formadas rapidamente explodem como supernovas, enriquecendo o meio com elementos pesados e moldando o futuro da galáxia.

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Galáxia NGC 7714 em starburst após fusão. (Fonte: NASA)

3. Buracos negros supermassivos

No centro de quase toda galáxia espiral ou elíptica existe um buraco negro supermassivo. Quando duas galáxias se fundem, seus núcleos lentamente espiralam um em direção ao outro. Esse processo, que pode levar bilhões de anos, culmina na fusão dos buracos negros — um evento capaz de emitir ondas gravitacionais detectáveis, como já foi registrado por observatórios como o LIGO e o Virgo.

A nossa galáxia está destinada a um encontro semelhante. A galáxia de Andrômeda, atualmente a cerca de 2,5 milhões de anos-luz de distância, está se movendo em nossa direção a 110 km/s. Daqui a cerca de 4 bilhões de anos, as duas começarão a interagir, e após um processo de fusão que pode durar mais 2 bilhões de anos, formarão uma nova galáxia elíptica — que os astrônomos apelidaram de “Milkomeda” (fusão de Milky Way + Andrômeda).

Mas não há motivo para alarme. O Sol provavelmente sobreviverá à fusão e continuará orbitando o novo centro galáctico. O céu noturno, porém, será dramaticamente diferente: ao longo de milhões de anos, veremos Andrômeda se aproximar e, eventualmente, se espalhar em faixas luminosas no céu, um lembrete da constante transformação do cosmos.

Hoje sabemos que essas fusões não são raras. Pelo contrário, são um componente essencial da evolução do universo. Muitas galáxias elípticas que vemos atualmente provavelmente se formaram por fusões de espirais. O próprio crescimento das galáxias ao longo do tempo está fortemente associado à sua história de colisões e aquisições menores, como galáxias anãs sendo absorvidas.

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Diferentes observações de fusões galácticas. (Fonte: NASA)

Estudar essas interações nos ajuda a entender não apenas o passado da nossa galáxia, mas também o futuro do universo. Cada colisão galáctica é uma página escrita no diário cósmico, revelando como a estrutura do universo se constrói — lentamente, sem pressa, mas com consequências espetaculares.

Enquanto olhamos para as belas imagens captadas por telescópios espaciais, vemos mais do que arte astronômica: vemos encontros de gigantes que dançam no vácuo, moldando o universo como o conhecemos. No silêncio do espaço, cada colisão conta uma história de gravidade, caos e criação.



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Nícolas Oliveira

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