Se você perguntasse em maio de 2016 a um fã de longa data de Resident Evil qual era a situação da franquia, seria provável que ele risse descontroladamente na sua cara. Isso porque a série de terror da Capcom, que completou 20 primaveras no ano passado, trazia perspectivas um tanto quanto pessimistas. O único jogo lançado era Umbrella Corps, que é tão ruim quanto o esperado, e a franquia vinha de dois títulos bem diferentes (o bom spin-off Resident Evil: Revelations 2 e a salada de ação Resident Evil 6, sem contar as remasterizações). Ou seja, faltava identidade para a série.
Eis que a Capcom surpreendeu na E3 2016, revelando Resident Evil 7 e já chutando a porta com uma demo incrível. Aos poucos, foi ficando claro que a saga de fato parecia voltar às origens no terror, apostando até na realidade virtual para trazer imersão e medo. Só que, ao mesmo tempo, o jogo virou e o que passou a ser falado é que ele se distanciou demais por conta da câmera em primeira pessoa e das muitas semelhanças com outros games do gênero.
Será que a mudança foi mesmo para melhor? Se sim, ela foi o suficiente para recuperar a nossa fé na saga? Essa e outras respostas você confere na análise a seguir.
É Resident Evil, sim. E muito.
- “Ah, mas isso aí parece Outlast!”
- “Nossa, copiaram P.T. (Silent Hills) na cara dura!”
- “Parece bom, pena que isso aí não é Resident Evil!”
Esses foram só alguns dos comentários de parte da comunidade no decorrer dos anúncios do game. Por isso, tendo jogado o título completo, precisamos deixar uma coisa clara: ele não só ainda é um Resident Evil, como também é um ótimo Resident Evil.
Sim, a perspectiva em primeira pessoa lembra Outlast, Amnesia e outros títulos similares. Mas quem disse que isso é ruim? É claro que existe um estranhamento, já que a franquia nunca experimentou esse recurso nos principais da série, mas no geral o título é de muita qualidade e mantém uma série de marcas registradas da série — inclusive resgatando outras depois de muito tempo. Experimentações já aconteceram antes — algumas duraram, outras foram abandonadas —, e a Capcom merece elogios pela coragem.
E é fácil notar o padrão: houve raiva similar quando Resident Evil 4 mudou drasticamente os rumos da franquia, mas nem por isso ele deixa de ser um excelente título. Quanto às semelhanças com P.T., o produtor do game, Masachika Kawata, já afirmou que começou o desenvolvimento da série antes mesmo de a demo da Konami sair.
Essa família é muito unida...
A trama do jogo é bem básica: você é um rapaz chamado Ethan Winters e recebe uma mensagem da sua companheira desaparecida, Mia, pedindo para buscá-la em uma casa de fazenda no interior do estado da Louisiana. Chegando no local, você começa a se deparar com bizarrices e perigos que o fazem questionar tudo o que você achava que sabia — e a própria sanidade. Sentiu o tom de Silent Hill 2 aí?
A ideia, aliás, é que você jogue sabendo o mínimo possível da trama. As surpresas são muitas e especialmente o início é absolutamente frenético e chocante quando jogado pela primeira vez. O roteiro vai entregando os segredos aos poucos e de fato surpreende.
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Há algumas ressalvas a respeito de certos momentos no final do jogo e algumas decisões questionáveis (porém corajosas) da Capcom, mas no geral a empresa acertou a mão na história. Em vez de ser uma ameaça global, como Resident Evil 6, aqui temos consequências locais e um pouco do aspecto “micro” da franquia, que atualmente ganhou ares de guerra mundial e bioterrorismo.
Ethan é esquecível, sem personalidade
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Só que Ethan é esquecível, sem personalidade. A ideia da Capcom é fazer você se identificar com ele e se colocar no lugar do rapaz — e isso até acontece, já que você se sente tão perdido e vítima quanto ele. Porém, a falta de falas e até de um rosto faz com que ele se torne raso, especialmente se comparado a personagens como os irmãos Redfield, Jill e Leon.
Por outro lado, a família que você encontra na fazenda rouba a cena em todos os momentos. A dona de casa boca-suja Marguerite é assustadora, o jovem rebelde Lucas é doentio e a vovó consegue ser assustadora só de ficar parada na cadeira de rodas. E o que falar de Jack Baker, que mal conhecemos e já consideramos tanto? Sem dúvidas, ele deve ser eternizado na galeria dos grandes vilões de Resident Evil e é o vilão mais memorável do game, responsável pelas melhores lutas.
“O medo volta ao lar”
A frase acima está na parte de trás da caixa do jogo e se encaixa perfeitamente na proposta de Resident Evil 7. A atmosfera de terror está presente em vários aspectos: o som, os gráficos, o jogo de câmera e o roteiro contribuem para criar um game que vai fazer você ficar tenso por vários momentos, dar pulos no sofá e ficar com o coração acelerado depois de encontrar um inimigo em um corredor estreito.
Os cenários são muito bem construídos, trazendo diversos elementos de Resident Evil 1 misturados com um clima mais rural. As propriedades dos Baker têm um ótimo level design, apesar de os cenários da primeira metade do jogo se repetirem bastante, e os demais locais visitados também são bem concebidos — apesar de não tão assustadores.
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Os efeitos sonoros do jogo são simplesmente incríveis. Por estar em uma propriedade velha, casa passo de Ethan resulta em uma explosão de ruídos, como rangidos de madeira e coisas quebrando. Passos na casa, portas batendo e grunhidos só aumentam a tensão e a sua paranoia, já que algo sempre parece estar a espreita. O som dos tiros é bem realista e você parece até sentir o zumbido causado por aquele disparo bem dado da espingarda.
Kawata e sua equipe fizeram a lição de casa e estudaram direitinho o gênero
Fãs do cinema de terror vão ficar muito felizes ao notar a quantidade de referências e inspirações a filmes de diversas épocas. Você vai encontrar homenagens a “Jogos Mortais”, “A Bruxa de Blair”, “O Massacre da Serra Elétrica” e especialmente “Evil Dead” (tanto o original quanto o remake). Kawata e sua equipe fizeram a lição de casa e estudaram direitinho o gênero para fazer a composição do game.
Quanto às vozes, Ethan tem uma interpretação discreta e de pouca emoção: ele mal aparenta estar feliz ou assustado quando deveria, por exemplo. Já a família Baker é bem retratada e, apesar de caricata, não chega a ser um estereótipo. As legendas em português possuem erros quase irrelevantes na tradução de um item e uma descrição — bem melhor que Revelations 2 e seus deslizes. Aliás, já é hora de descolar uma dublagem em português brasileiro, Capcom!
A face do horror
Junto com a sonorização, o visual é igualmente importante na concepção de um jogo de terror. No caso de Resident Evil 7, não dá para dizer que a Capcom acertou com maestria, mas a empresa está longe de ter feito um trabalho ruim.
O jogo apresenta cenários bem variados, mesmo tendo um local reduzido onde se passa a história. A mansão dos Baker é incrível, cheia de detalhes macabros, e a constituição das outras propriedades é igualmente interessante. Mas os gráficos precisam de polimento em algumas texturas, como a vegetação, enquanto outras estão muito fiéis e realistas. É só perceber a diferença quando você se aproxima de folhagens no início do game e depois chega próximo de um móvel de madeira no interior das casas, por exemplo.
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O esquema de cores é efetivo, porém isso também se deve ao fato de ele ser bem simples: vários ambientes são escuros e objetos estão sujos, empoeirados ou envelhecidos. Conseguir transmitir essa sensação, entretanto, é mais um acerto da empresa. Além disso, fenômenos óticos que experimentamos na vida real ficaram muito bem traduzidos para o game, como efeitos de foco e profundidade de campo. Note como a sua mão fica em segundo plano quando o personagem empunha uma arma ou a confusão sobre o que olhar em certos momentos de diálogo.
Em termos de inimigos, tanto os mofados quanto suas variações e chefes são intimidadores. Eles podiam ser mais variados em visual e até diversificados, é verdade, mas há uma boa explicação na história para isso não acontecer.
Primeira pessoa: ame ou odeie
Sem dúvidas, o maior elemento de discórdia de Resident Evil 7 vai ser a perspectiva em primeira pessoa, que é constante e faz até com que o título quase não tenha cutscenes, já que quase todo o game ocorre em tempo real e na perspectiva de um personagem. A aprovação da mudança brusca não vai ser unanimidade, não adianta insistir: é questão de gosto preferir um estilo ao outro e você vai sentir o estranhamento de, após 20 anos, jogar um capítulo principal da franquia com essa câmera.
A aprovação da mudança brusca não vai ser unanimidade, não adianta insistir
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Mas alguns apontamentos são inevitáveis. Apesar de contribuir para o “fator susto”, a câmera atrapalha em alguns momentos de estratégia (para ver um cômodo como um todo na hora de lutar ou fugir, por exemplo). Além disso, a jogabilidade ainda é limitada em alguns aspectos e precisa evoluir, adicionando mais recursos e interações para melhorar a experiência e não transformar você apenas em um espectador.
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O recurso “Proteger-se” é boa adição: ao ser ativado em um dos gatilhos do controle, ele permite que o personagem cubra o corpo com as mãos e receba um dano menor dos inimigos. Só que essa novidade é acompanhada de algumas ausências. Faz falta um recurso de esquiva, por exemplo, e talvez outra velocidade de movimentação além de andar e dar uma lenta corrida.
Em outros elementos da jogabilidade, o game é bem variado: há momentos de exploração e ação bem equilibrados, acabando com a preocupação de quem quase não havia visto combate nos materiais de divulgação do jogo. Há alta variedade de armas e itens de criação disponíveis, exigindo gerenciamento de recursos bem no estilo Resident Evil. O ritmo da segunda metade é bem diferente e isso quebra um pouco o clima do início — algo a ser lamentado, mas que não atrapalha totalmente o resultado final.
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O inventário ficou bem inserido e é fácil de ser gerenciado, contendo as clássicas ações de mover, combinar ou descartar itens. Os botões de acesso rápido no direcional servem bem para as armas e o espaço pode ser um problema no início, exigindo estratégia e organização de objetos.
Nostalgia na medida certa
Para reconquistar o coração do público, a Capcom poderia apelar em Resident Evil 7 e encher o game de elementos nostálgicos só pelo puro fator emocional. Felizmente, ela percebeu que isso não seria o suficiente: o jogo traz homenagens e Easter-eggs, mas é tudo bem equilibrado e com um bom motivo para estar lá.
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Temos o retorno dos baús mágicos que transportam itens (e salvam o seu inventário limitado), uma máquina para salvar (um gravador de fitas substituindo a máquina de escrever), a combinação de itens para fazer objetos de cura ou munição e muito mais. Sim, você vai fazer muitas andanças procurando chaves em forma de animais, ir e voltar nos mesmos cômodos para ver se não perdeu algo e olhar o mapa toda hora.
Os puzzles estão presentes e vários são bem bolados, porém um em especial é repetido até cansar. Não há uma dificuldade extrema, mas em alguns momentos é preciso parar, respirar e pensar um pouco para progredir.
Vale a pena?
Sem dúvidas! Resident Evil 7 é um jogo extremamente arriscado em vários sentidos e, no fim das contas, a Capcom acertou ao sair da zona de conforto mais uma vez. Ele é efetivo como um novo capítulo da franquia, consegue se inserir no gênero de terror e traz perspectivas mais que interessantes para o futuro da série.
Em resumo, o game consegue fazer você sentir o tão esperado medo e ainda traz ótimos momentos de ação, com puzzles bem trabalhados, vários elementos clássicos de Resident Evil e um clima constante de tensão. Os gráficos bem trabalhados (porém com pequenos deslizes) e os efeitos sonoros maravilhosamente bem construídos (da trilha que só aparece nos momentos certos aos rangidos e baques durante a exploração) contribuem bastante para a construção da atmosfera.
O game consegue fazer você sentir o tão esperado medo e ainda traz ótimos momentos de ação
Os personagens apresentados são mistos: Ethan é um protagonista fraco e maldesenvolvido, mas a família Baker é uma entidade antagonista incrível. O roteiro “micro” e na perspectiva de uma vítima que praticamente cai de paraquedas em uma situação de infecção é um respiro bem-vindo para a franquia, mas decisões questionáveis por parte da Capcom nos momentos finais do título (incluindo a necessidade de esperar por um DLC futuro para saber exatamente o que o desfecho significa) podem irritar bastante alguns jogadores.
O futuro da franquia agora parece estabelecido: a Capcom pode trabalhar com três linhas de frente, apostando em spin-offs (como as série Revelations), remasterizações (ou remakes, como o de Resident Evil 2) e capítulos principais (talvez ainda em primeira pessoa) em um único produto. É algo ambicioso e, se os resultados forem de qualidade, não temos do que reclamar.
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A jogabilidade em primeira pessoa não vai agradar a todos, mas isso já era esperado. Porém, o melhor que você tem a fazer é deixar o preconceito de lado e dar uma chance a esse grande lançamento. Resident Evil 7 é muito mais do que a perspectiva da câmera e a Capcom não poderia ter dado um presente de aniversário melhor para os fãs.
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