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ESPECIAL: The King of Fighters é jogo de pobre? Relembre o sucesso da franquia que completa 30 anos

O segredo do sucesso de The King of Fighters pode ter sido bem mais simples do que o esperado; entenda!

Avatar do(a) autor(a): Renato de Souza Silva

25/09/2024, às 21:15

Atualizado em 25/09/2024, às 17:44

ESPECIAL: The King of Fighters é jogo de pobre? Relembre o sucesso da franquia que completa 30 anos

Fonte: Fightcade

Fugindo da resposta óbvia sobre valor da ficha, qualidade visual e tudo mais, por que gigantescas e pesadas máquinas de KOF surgiram em cada lanchonete, sorveteria, farmácia, padaria, bar e praticamente toda a esquina do Brasil nos anos 90 e começo dos 2000? Na verdade esse foi um fenômeno que aconteceu em diversos países específicos e graças a uma ideia simples.

A melhor forma de explicar isso é falando sobre os “Kofeiros”. Eles são completamente diferentes de qualquer outro grupo de fãs de jogos de luta, e engajam com qualquer coisa sobre a franquia The King of Fighters, popularmente abreviada como KOF, mas por que eles amam tanto essa franquia?

Fliperamas dos anos 90

Países que mais usam Fightcade para jogar jogos de fliperama
Países que mais usavam Fightcade em 2016 para jogar jogos de fliperama

Se você usar emuladores para jogar online, como Yzkof e Fightcade, vai reparar que os jogadores são sempre dos mesmos países. Com as exceções óbvias dos mercados gigantescos dos Estados Unidos e Japão, quem domina o ranking de maior quantidade de jogadores no Fightcade são países como Brasil, México, Paquistão e outros dos chamados terceiro mundo, que são nações cuja população possui pouca renda e o índice de desenvolvimento humano é baixo, e isso tem um motivo muito mais curioso que apenas pirataria.

Nos anos 80, os arcades estavam explodindo com suas vistosas máquinas tecnológicas e com jogos cada vez mais avançados, porém ao mesmo tempo muito caros. Apenas uma placa com um único jogo custava mais de mil dólares cada. Se hoje isso é muito, imagine naquela época. Isso sem contar o gabinete, o sistema, o monitor de tubo, moedeiro e tudo mais. A SNK inovou com a Neo Geo MVS, um sistema interno para arcades com um melhor custo benefício que comportava até 6 cartuchos de jogos diferentes, gerando um grande barateio de tudo relacionado a fliperamas e assim facilitando a alcançar novos públicos.

Versão de 4 jogos simultâneos da MVS
Versão de 4 jogos simultâneos da MVS

A SNK apostou muito alto ao facilitar e baratear as coisas em um mercado que aceitava pagar caro por produtos de menor qualidade, porém ela foi ainda mais longe e decidiu investir em países pobres, como o Brasil, facilitando ainda mais ao ter a ideia surpreendente de inicialmente não vender as máquinas completas em si, mas apenas as placas do sistema MVS que lia os jogos, sem vincular monitor, gabinete e todas essas coisas que encarecem ainda mais. Assim absolutamente qualquer um poderia comprar quantas quisesse e revender ou montar as máquinas como quisessem também. 

Com isso em cada bar, padaria, sorveteria ou loja, seja onde for, tinha uma máquina de The King of Fighters rodando, nos anos 90. Isso não só no Brasil, mas em vários países de terceiro mundo. A SNK foi na contramão do mercado, abrindo mão de lucros grandes e fáceis para apostar exclusivamente no povo. E isso irá se refletir no fim desta história.

The King of Fighters

Com a grande facilidade de encontrar máquinas em quase todas as esquinas, os jogos publicados para Neo Geo eram muito mais facilmente disponibilizados para a população, entretanto isso não quer dizer que os jogadores da época poderiam pagar para jogar os jogos. Além disso, empresas como a Capcom, com incríveis sucessos como Street Fighter 2 e vários jogos beat'em ups, também lançaram logísticas similares posteriormente, então era comum ver máquinas de fliperamas de empresas diferentes muito próximas uma das outras, mas o que fez The King of Fighters se tornar febre nacional? 

Poster de The King of Fighters 94 destacando o diferencial do game
Poster de The King of Fighters 94 destacando o diferencial do game

Em 2024, KOF completa 30 anos. Ele uniu personagens de diversos jogos famosos da companhia, como Fatal Fury, Art of Fighting, Ikari Warriors e Psycho Soldiers, algo inédito do mercado, mas o principal diferencial dele como jogo de luta, foi o que explodiu cabeças na época: você não controla e enfrenta apenas um personagem durante o gameplay. E como isso impacta no sucesso? Ao colocar 3 lutadores de cada lado, a SNK ampliou para quase três vezes mais o tempo de duração de cada ficha, ou seja, você tinha muito mais opções e tempo de diversão com o jogo. Perfeito para os jogadores com pouco dinheiro para gastar. 

Em contra partida a rotatividade de jogadores nas máquinas de KOF era muito menor, e com menos fichas vendidas, menos lucro. Isso somado ao barateio da distribuição das máquinas, tinha tudo para fazer a empresa cortar custos em outras áreas, mas a SNK acreditava fortemente em sua visão de mercado para o povo.

A companhia investiu ainda mais construindo fábricas em diversos continentes para facilitar ainda mais a distribuição desses arcades baratos, sendo a primeira delas na Zona Franca de Manaus. Tudo isso para levar ainda mais grandes experiências aos jogadores, não só com localização completa para os brasileiros e outros países, mas também aumentando exponencialmente o setor de desenvolvimento de jogos da SNK, possibilitando novidades anualmente em gráficos, jogabilidade, música, história e muito mais em The King of Fighters.

Legado de The King of Fighters

Nessa vontade de mostrar ao máximo de pessoas o quão bom são os fliperamas, diversas grandes histórias aconteceram pelo mundo graças a essa iniciativa de KOF.

Quando a Coréia do Sul restringiu a entrada de novos produtos de entretenimento do Japão devido a rixa entre os dois países, KOF 94 era um dos únicos arcades que já estava lá, e por isso ajudou a criar vários dos maiores jogadores de jogos de luta do país, como Infiltration e vários dos maiores nomes de Tekken, além de ser um dos principais responsáveis pelo esquema de entrada ilegal de games japoneses, através da China, devido ao tanto que os coreanos amavam e queriam conhecer mais de KOF.

Arslan Ash tem seu nome em homenagem ao personagem de KOF
Arslan Ash tem seu codinome em homenagem a um personagem de KOF

Algo parecido aconteceu no Paquistão, onde durante a Guerra do Golfo e um Golpe de Estado no país, era grande a tensão. Com o Paquistão passando por uma grande crise, um dos poucos divertimentos e distrações em meio a tudo isso eram os fliperamas baratos. Foi assim que nasceu por exemplo a lenda Arslan Ash, um dos maiores jogadores de Tekken da história, que começou jogando The King of Fighters.

Outro exemplo é a China, um países ricos com uma das populações mais pobres que existem, de lá que são um dos maiores jogadores de KOF. O jovem Xiao Hai tinha descoberto KOF 96 e depois KOF 97 e se tornou um prodígio, ele era de uma área muito pobre e não tinha dinheiro pra jogar, por isso um amigo, também pobre, sempre ajudava ele de alguma forma a comprar fichas para treinar, até que um dia esse amigo vendeu uma bicicleta para ajudar Xiao Hai a realizar seu sonho de ser jogador profissional. Obviamente o pai desse amigo o castigou severamente, pois a família passava dificuldades, e o afastou de Xiao Hai, que nunca mais o viu desde então. 

Essa amizade e esforço do amigo foi a grande motivação para Xiao treinar ainda mais e se dedicar para ser o melhor do mundo, para poder se tornar famoso e assim poder reencontrar o grande amigo que perdeu e agradecer por tudo que fez por ele. Isso se concretizou anos depois quando Xiao Hai reencontrou essa pessoa em um campeonato de KOF, ainda torcendo por ele ali na plateia.

Dramatização da história de Xiao Hai

KOF é jogo de pobre?

A resposta óbvia é não, a SNK queria que todos jogassem e se divertissem com seu game, mas é fácil perceber que ele teve uma grande e importante penetração em locais de baixa renda do Brasil e do mundo.

Existem ainda outras dezenas de histórias de sucesso, superação, amizade e companheirismo graças a The King of Fighters, mas porque isso não acontece em países ricos, mesmo com a SNK vendendo para lá? Como nesses países havia dinheiro para comprar sempre máquinas mais modernas, vistosas e novidades avançadas, o KOF não teve o mesmo impacto, afinal ele sempre foi “raiz” no modo popular de dizer. É por isso que lá KOF era apenas mais uma entre tantas máquinas nos fliperamas.

Em países de terceiro mundo, graças a facilidade da distribuição da SNK, onde quer que estivéssemos lá estava o KOF nos dando diversão com o pouco dinheiro que tínhamos. Cada centavo de uma ficha era bem gasto, pois era o que tínhamos, então a jogatina era muito importante. 

Por isso que embora Street Fighter e Mortal Kombat sejam ótimos jogos e muito populares por aqui, a quantidade de pessoas daquela época que engajam The King of Fighters até hoje é muito grande, pois a distribuição de arcades era muito maior que de Street Fighter e Mortal Kombat na época, e quanto mais gente jogando, mais histórias e amizades aconteciam.

The King of Fighters no Brasil

Por isso que no nosso tempo cada ficha era valorizada ao máximo, afinal ela carregava ali histórias, amizades, superações e divertimento, tudo isso para um povo que não teria dinheiro para ter as facilidades que outros países possuem. 

Assim como os coreanos contrabandeando KOF, ou Arslan Ash fugindo da crise e Xiao Hai fazendo um amigo para a vida toda, quantas histórias importantes para sua vida, você teve perto de uma máquina de KOF? Quantas pessoas e risadas você já deu enquanto ouvia alguma música clássica da franquia? Esse é o segredo do sucesso de KOF: as histórias que qualquer um poderia viver a qualquer hora em qualquer lugar.

Se não fosse todo o esforço da SNK abrindo mão de lucros fáceis e depois até entrando em falência por facilitar em tudo para amarmos os fliperamas, assim como ela amou, todas as histórias e amigos que tivemos graças a jogos como KOF jamais existiriam. A SNK se sacrificou por nós. Pense nisso.

Obrigado por tudo, SNK.

 



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Renato de Souza Silva

Especialista em Redator

Jornalismo gamer desde 2015. Ex Editor-Chefe e ex roteirista de vários youtubers. Autor de Clássico The King of Fighters 94 pela editora Warpzone. Youtube:@SegredosDosGames