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Gênio vs Gênio #2: o combate atômico entre Oppenheimer e Edward Teller

Série do TecMundo coloca cara a cara grandes mentes da ciência e da tecnologia para batalharem e mostrarem qual foi a diferença que fizeram para a humanidade

Avatar do(a) autor(a): Rafael Farinaccio

29/01/2018, às 20:05

Gênio vs Gênio #2: o combate atômico entre Oppenheimer e Edward Teller

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Imagem de Gênio vs Gênio #2: o combate atômico entre Oppenheimer e Edward Teller no tecmundo

O segundo episódio da série Gênio vs Gênio vai trazer um combate atômico entre dois grandes cientistas que terminou de maneira triste, com um deles exilado nas Ilhas Virgens e o outro praticamente excluído da comunidade científica por divergências no campo da física no qual trabalhavam e até estranhas motivações políticas.

A luta aconteceu no contexto da Segunda Guerra Mundial e, mais ainda, durante a Guerra Fria, quando a corrida atômica estava em seu auge e a paranoia do comunismo dominava a cabeça do mundo Ocidental. Os dois cientistas – provavelmente os seres humanos que mais contribuíram para o desenvolvimento de armas nucleares – bateram de frente no laboratório e o que aconteceu você confere a seguir.

Veja aqui as outras lutas:

Que começem os jogos! (ou "iiiiiit's tiiiiiime!!!")

aTALE OF THE TAPE

Robert Oppenheimer era o cientista chefe do Laboratório de Los Alamos no projeto Manhattan, que durou de 1942 e 1946 e culminou com a produção de bombas atômicas

No corner esquerdo, Julius Robert Oppenheimer, famoso por ser ninguém menos que o líder do projeto Manhattan, aquele que desenvolveu a bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial e que culminou nos ataques a Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Considerado o pai da bomba atômica, Oppenheimer fez estudos cruciais para o avanço da fissão nuclear, o tipo de reação que permitiu ao ser humano dominar a energia nos átomos.

No corner direito, Edward Teller, húngaro de família judia que fugiu do nazismo na Europa para ajudar os Estados Unidos a acabar com a guerra desenvolvendo armamento nuclear. Seus estudos em fusão nuclear – ao contrário da fissão que acontece na bomba atômica – foram a base para a criação da bomba H, ou bomba de hidrogênio, que viria a ter um potencial de destruição muito maior que as anteriores.

aRobert Oppenheimer (à esquerda) e Edward Teller (à direita): os combatentes de hoje

Round 1: um objetivo, meios diferentes

Robert Oppenheimer era o cientista chefe do Laboratório de Los Alamos no projeto Manhattan, que durou de 1942 e 1946 e culminou com a produção de bombas atômicas, que funcionavam com a fissão do núcleo de átomos de urânio e tinham um poder de destruição devastador. Foram essas bombas que destruíram por completo as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, já em 1946, quando o fronte de guerra na Europa já havia sido extinguido.

Cientistas alemães também trabalhavam dia e noite atrás de dominar o átomo e os norte-americanos arrendavam quem fosse possível para ajudá-los

Durante esse período, houve uma corrida nuclear, da qual participaram os países envolvidos na Segunda Guerra Mundial e tinha como objetivo desenvolver com sucesso esse tipo de armamento para “acabar de uma vez por todas com a Guerra”. Cientistas alemães também trabalhavam dia e noite atrás de dominar o átomo e os norte-americanos arrendavam quem fosse possível para ajudá-los na árdua tarefa.

Foi assim que Edward Teller foi parar nos Estados Unidos: vindo de família judia, ele emigrou para o Novo Mundo ainda nos anos 1930 e já fez parte desde o início do projeto Manhattan, em 1942, com a intenção de ajudar os Aliados contra o Eixo na Guerra Mundial. Oppeinheimer era o cientista sênior do projeto e, portanto, superior a Teller, e seus problemas começaram quando suas ideias científicas entraram em rota de colisão.

aOppenheimer realiza cálculos científicos no Laboratório de Los Alamos

Round 2: os filhos do átomo

Durante o período inicial em que trabalharam juntos, Oppenheimer e Teller não tiveram problemas. Casa fazia sua parte do trabalho e desenvolviam juntos as tecnologias que tornaram possível a criação da bomba atômica. As coisas começaram a sair dos trilhos quando Teller descobriu a possibilidade de fundir átomos, o oposto do que acontecia no trabalho do projeto Manhattan.

A diferença de massa entre os reagentes e os produtos aparecem na reação como uma emissão de energia ainda maior que no caso da fissão

Para ficar um pouco mais claro, fissão e fusão nuclear são reações contrárias que utilizam átomos e que desprendem uma quantidade absurda de energia, sendo possível utilizá-la para fins destrutivos, como no caso das bombas, ou mesmo para a geração de energia elétrica. Na fissão, um átomo, como o do Urânio, recebe um disparo de nêutrons em seu núcleo, que explode e emite tanto partículas radioativas como uma energia gigantesca.

Já no caso da fusão – a flor dos olhos de Teller – dois átomos são atirados um contra o outro (no caso, átomos de hidrogênio). Seus núcleos se fundem e resultam em um novo elemento – nesse caso, o hélio – e partículas subatômicas também são emitidas. A diferença de massa entre os reagentes e os produtos aparecem na reação como uma emissão de energia ainda maior que no caso da fissão nuclear.

aDepoimento de Teller retirou Oppenheimer de sua vida científica

Round 3: paixão pela fusão

O problema é que no momento em que Teller passou a estudar a fusão nuclear, ele perdeu completamente o interesse pelo desenvolvimento da bomba atômica, que usa fissão. O húngaro se afastou tanto do trabalho na bomba atômica que Oppenheimer o afastou da equipe principal do projeto, mesmo sem tê-lo removido totalmente do empreendimento.

Com a bomba finalmente pronta e todos os testes devidamente realizados no deserto dos Estados Unidos, a bomba atômica foi utilizada em civis no Japão após o final da primeira guerra. Enquanto isso, Teller trabalhava em uma bomba que usaria fusão nuclear e seria muito mais poderosa que sua antecessora.

Teller seguiu com seu projeto de fusão para criar a famigerada bomba H e acabou se tornando rival de Oppenheimer dado que o mesmo órgão patrocinava o projeto de ambos

Oppenheimer claramente percebeu que a bomba não era brincadeira e que tinha consequências aterrorizantes tanto para pessoas quanto para a natureza, desistindo de focar no desenvolvimento de armas e voltando-se para criar modelos menores de fissão atômica que poderiam ser benéficos para a humanidade, como a geração de energia elétrica, ainda sem saber que mesmo isso poderia ser danoso, ou de explosivos menores para o uso no mercado da construção.

Teller seguiu com seu projeto de fusão para criar a famigerada bomba H e acabou se tornando rival de Oppenheimer dado que o mesmo órgão patrocinava o projeto de ambos. Ninguém sabia o que daria mais certo em termos de recepção de financiamento: a bomba ainda maior e mais poderosa ou menores e mais focadas em tarefas construtivas?

aOppenheimer conversa com Albert Einstein

Round 4: acusação e traição

Foi nesse ponto crucial do combate que algo aconteceu e mudou completamente o rumo da história da ciência: Robert Oppenheimer foi formalmente acusado pelo governo norte-americano de ligação com o comunismo e teve todas as suas autorizações de segurança canceladas pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos. Ele necessitava dessas permissões para acessar o laboratório onde trabalhava e, obviamente, continuar tocando seus projetos.

Eu discordava completamente dele em inúmeras questões e suas ações, francamente, me pareceram confusas e complicadas

Impedido de trabalhar, Oppenheimer teria que ser submetido a um julgamento especial, que ficou conhecido como “audiência de segurança de Oppenheimer”, que aconteceu em 1954. A paranoia em torno das acusações sobre comunismo estava em seu auge, assim como a Guerra Fria, e o planeta tremia a cada declaração dos governos norte-americano e soviético.

Durante a audiência que decidiria se Oppenheimer realmente poderia ser um espião a mando da União Soviética (mesmo após anos e anos de trabalho a favor da ciência e dos Estados Unidos), diversas pessoas deram depoimentos e opinaram sobre as autorizações do cientista serem realmente canceladas ou se seriam devolvidas a ele.

aEdward Teller, já idoso, é recebido pelo presidente norte-americano Ronald Reagan na Casa Branca

Chegada a vez de Teller, o cientista deu uma declaração extremamente confusa que deixou a audiência se perguntando se ele estava aliviando para Oppenheimer de uma maneira meio duvidosa ou se tentava incriminá-lo de um jeito mais discreto. A resposta não ficou mais clara com seu voto para que o norte-americano não mais tivesse sua permissão de acesso especial.

O que Teller disse foi mais ou menos o seguinte: “Em um grande número de casos, vi o Dr. Oppenheimer agir – eu entendo que o Dr. Oppenheimer agiu – de uma maneira que, para mim, era extremamente difícil de entender. Eu discordava completamente dele em inúmeras questões e suas ações, francamente, me pareceram confusas e complicadas. Dessa maneira, sinto que gostaria de ver os interesses vitais deste país em mãos que eu compreenda melhor e, portanto, confie mais”.

aO hábito de fumar causou câncer de pulmão e matou Oppenheimer em seu exílio

Round 5: o fim dos gênios

Acho que vale afirmar que quem mais perdeu nessa luta foi a ciência. Ou talvez tenhamos nos livrado de alguém que pretendia levar a energia nuclear até as últimas consequências. Após o ocorrido na audiência, Oppenheimer se desiludiu completamente e exilou-se nas Ilhas Virgens. Ele abandou por completo o estudo científico que praticava para fazer parte de movimentos contra a proliferação de armas nucleares. Quem melhor que um próprio pai para conhecer o potencial negativo do filho?

O pai da bomba de hidrogênio – e esse sim, orgulhoso do título – não ligava muito para o potencial perigo que esse tipo de tecnologia representava para a natureza

Oppenheimer viveu seus últimos anos em uma casa simples na beira de uma das praias mais bonitas do mundo navegando com sua esposa e sua filha até morrer em 1967 em decorrência de um câncer de pulmão que adquiriu por seu hábito de fumar efusivamente. Ficou lembrado na história – para seu próprio desgosto – como o pai da bomba atômica, contra a qual lutou até o fim de sua vida.

Edward Teller ganhou uma reputação extremamente negativo por sua atitude na audiência de Oppenheimer e acabou sofrendo, também, uma espécie de exílio, mas este, acadêmico. Apesar de ter continuado na carreira e desenvolvendo suas pesquisas por algum tempo, o cientista era mal visto por seus colegas, muitos dos quais boicotavam seu trabalho e ignoravam seus estudos.

O pai da bomba de hidrogênio – e esse sim, orgulhoso do título – não ligava muito para o potencial perigo que esse tipo de tecnologia representava para a natureza. Ao contrário de Oppenheimer, ele queria usar sua criação para realizar tarefas que, hoje em dia, qualquer pessoa em sã consciência diria ser arriscado – como a criação de um porto artificial no Alasca que seria explodido com suas bombas. Imagine as consequências disso.

aTeller já nos últimos anos de sua vida: cientista morreu em 2003

Resultado final

No fim das contas, uma espécie de sabotagem científica para ganhar espaço, notoriedade e um pouco mais de dinheiro – para não dizer impor uma opinião “clubista” sobre um colega de laboratório – acabou levando Teller a acusar Oppenheimer de algo que muito provavelmente não era real e que acabou afundando a carreira não apenas de um, mas de ambos.

Ainda assim, muito do que eles criaram e descobriram é de importância sem tamanho para a humanidade, seja para se beneficiar com isso da melhor maneira possível, seja para evitar o que pode se tornar uma grande catástrofe para os homens e para a natureza.

Agora é a sua vez: quem você acha que ganha esse combate: Robert Oppenheimer, o o pai da bomba atômico e posterior inimigo delas, ou o criador da bomba H Edward Teller, que achava que sua fusão nuclear resolveria os problemas do mundo? Deixe sua opinião aí nos comentários!



Editor do The BRIEF. Há mais de 10 anos na NZN, Fari é historiador, apaixonado por ciências e tecnologia, e grande admirador das obras de J.R.R. Tolkien.

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